James Sherr
Desde o 5 de setembro, muita atenção se dedicou à proposta de Vladimir Putin de levar os capacetes azuis da ONU para o Donbas da Ucrânia. Sua iniciativa é vintage Putin. Desloca o terreno, revertendo a rejeição da Rússia a uma presença da ONU tão recentemente como a 2 de setembro. É de dois gumes, justaposto ao lado das ameaças de um conflito mais amplo se os EUA fornecem armas letais às forças armadas da Ucrânia. Ele supera o adversário, o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, que pediu uma presença da ONU desde fevereiro 2015. Ele ganha elogios (nomeadamente do ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Sigmar Gabriel, que o chamou de "mudança na política [da Rússia] de que não devemos apostar"). E acrescenta dois problemas para cada um que resolva.

O que a Ucrânia propõe é uma missão sólida de imposição da paz da ONU, de acordo com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas ("Ameaças à Paz, Violações da Paz e Atos de Agressão"). O que a Rússia prevê é uma implantação fortemente limitada, com base nas disposições mais modestas do Capítulo VI ("Liquidação do Pacífico de Disputas").

O precedente da operação de imposição de paz 1994-95 UN-sancionada mas liderada pela OTAN na Bósnia-Herzegovina é o cerne da concepção da Ucrânia. É um anátema para a Rússia, que exige um contingente ligeiramente armado da ONU, confinado à linha de contato, incapaz de implementar sua suposta missão de proteger a Missão Especial de Monitoramento da OSCE que, sob o acordo de Minsk II de fevereiro 2015, tem direito a acesso sem impedimento em toda a zona de conflito. Esse acesso nunca foi concedido, e nada na proposta da Rússia alteraria isso. Embora ambas as propostas se baseiem em um cessar-fogo completo e retirada de armas pesadas, sob a variante de Putin, essa última seria retirada apenas da linha de contato entre as forças ucranianas e "separatistas" estipuladas sob Minsk. No âmbito de Poroshenko, armas assim como forças "estrangeiras" seriam retiradas através da fronteira interestadual sob a supervisão das tropas da ONU, que a Rússia insiste que não deveria ter nenhum papel aí. A Rússia também insiste que as "autoridades" separativas devem concordar com a composição das forças da ONU e as modalidades de seu emprego.

Não há possibilidade de que o Ocidente aceite a proposta da Rússia na forma apresentada, e Moscou deve saber disso. Assim, o gambito de Putin é apenas um gambito de abertura. Surge, portanto, uma questão radical: supondo que sua jogada final seja atender aos termos do Ocidente? Um cessar-fogo total entra em vigor, as forças de manutenção da paz da ONU se posicionam em todo o território e, para todos os efeitos, as tropas russas e 'voluntários' partem. Na opinião do autoritário comentarista ucraniano, Vitaliy Portnikov, esta seria 'a armadilha perfeita'. Transformaria o alvo de pressão da Rússia para a Ucrânia. Até agora, Kiev tem resistido à implementação das disposições políticas do acordo de Minsk II com o fundamento impecável de que eleições livres são impossíveis sob ocupação militar estrangeira e em meio a um conflito armado. Tire a ocupação e o conflito, e você tira o argumento. Você também retira o argumento para manter sanções (não relacionadas à Crimeia) e entrega a responsabilidade financeira pelo bem-estar dos territórios a Kiev.

Moscou tem três razões sólidas para considerar essa compensação. Primeiro, a Rússia não tem quase nada para mostrar durante quatro anos de guerra. Ele criou novos inimigos e não fez amigos. Seus proxies controlam quatro por cento da Ucrânia. A Ucrânia desocupada não se desvelou, mas consolidou-se. Seus parceiros ocidentais não cederam nada de substância à Rússia, nem sua "federalização" nem sua "neutralização". Em segundo lugar, a guerra é dispendiosa, assim como subsidiar as repúblicas separatista em cerca de € 1 bilhão anualmente. Durante a Batalha de Avdiivka em janeiro-fevereiro 2017, Moscou rejeitou bruscamente suas súplicas por uma maior assistência. Em terceiro lugar, há a administração do Trump, que acabou por ser uma proposição muito mais difícil do que o esperado. No entanto, os sentimentos pessoais de Trump com a Rússia, sua equipe de segurança nacional mostrou ser ortodoxa em seu alcance dos interesses dos EUA e inflexível. A vontade da administração de intervir de forma unilateral, decisiva e sem aviso prévio, tanto quanto incomoda os aliados da OTAN, é enervante para a Rússia, que se acostumou com a abordagem previsível e desarmantemente transparente de Obama. O especial representante especial dos Estados Unidos na Ucrânia, Kurt Volker, está provando ser mais que uma partida para o seu homólogo de prata, Vladislav Surkov. Palavra na rua Moscou é que Sergey Lavrov acredita que é hora de arrancar a iniciativa de Surkov e explorar sérios compromissos.

Nada disso significa que um recuo de tirar o fôlego do tipo sugerido por Portnikov seja iminente. 'O diabo está nos detalhes' é um axioma bem compreendido por Lavrov, que é um mestre em afogar seus oponentes em minúcias. Mesmo que a Rússia aceite um destacamento robusto da ONU, as minúcias são assustadoras e críticas. Qual será a composição e o armamento das forças da ONU? Como os militares 'estrangeiros' que aprenderam a ser indistinguíveis dos locais agora serão diferenciados? Quais categorias de armamento terão de ser eliminadas e quais permanecerão? Quanto controle as "autoridades" republicanas terão sobre esses arranjos, e quantos vetos russos haverá à mesa? Como será estabelecida a igualdade de condições entre os representantes das estruturas políticas existentes e as principais forças políticas ucranianas, que foram excluídas dos territórios desde 2014?

Podemos estar nos aproximando do momento em que a Rússia quer sair de Donbas. Em caso afirmativo, tudo dependerá do significado de "Rússia" e "fora".